domingo, 15 de março de 2009

Capítulo VIII - A GESTÃO DE DR. SIMÕES

PROCESSO PELO QUAL vinha passando Limoeiro do Norte a cada eleição após 1945, refletia numa vontade cada vez mais presente no seio da população de mudar, e mudar para melhor. A cada início de administração, havia – sempre – um clima de expectativa na população, numa afirmação real de que os resultados eleitorais não significavam apenas um simples ato de exercer um direito, mas também de contribuir para que houvesse mudança no comportamento dos políticos.
O governo de José Simões dos Santos foi basicamente técnico e de um acanhado processo de melhorias.
Mesmo na qualidade de prefeito continuou seu trabalho humanitário, isso devido à sua índole extremamente humana no trato com as pessoas, sobretudo quando o procuravam para atendimento médico.
Politicamente, mesmo antes de assumir a prefeitura, Simões teve que enfrentar uma séria negociação para garantir a presidência da Câmara Municipal, antevendo que sem o apoio desta, seria praticamente impossível tomar as medidas de que o município tanto necessitava. Com a continuação das conversas e dos “acordos” foi-se chegando a um consenso e a presidência da Câmara foi negociada de forma que um udenista fosse eleito e somente assim estaria garantido o bom relacionamento entre os poderes executivo e legislativo.
Não seria muito difícil chegar a esse resultado, visto que a UDN e PTB – as partes do acordo – teriam juntos cinco votos contra quatro do PSD. Assim sendo, o PSD tentou uma negociata com o vereador udenista José Celio de Assis, que colocava seu nome como candidato, para que ele votasse em um pessedista, garantindo a presidência da Câmara para o partido.
Através de um disse-que-disse, chegou ao conhecimento do povo que Zé Célio fizera o acordo, mediante a troca de dois pares de pneus para seu Jeep. Só que o resultado foi por demais surpreendente, inesperado, principalmente para o PSD, quando foi eleito para presidir a Câmara Municipal o próprio Zé Célio.
Analisando de forma lógica o que aconteceu no “acordo” entre a cúpula do PSD e Zé Célio, podemos ver que ele foi frio e muito esperto, isso porque, a eleição do presidente dependia do voto dele e o mais interessante era que diante de uma situação que lhe favorecia completamente, ou seja, ou votava nele próprio, já que era candidato, ou votaria naquele em que havia se comprometido para efeito do cumprimento da negociata. E foi usando de uma matreirice espetacular, que conseguiu enganar os pessedistas, quando terminou votando nele mesmo, descumprindo o acordo, porém assegurando para si a presidência do legislativo municipal e ganhando os pneus para seu jeep.
O acontecimento ganhou tanta repercussão na política local que o vereador Valderilo Holanda mandou confeccionar um “boneco” em tamanho natural, com as características de José Célio inclusive com o inseparável radinho de pilha que costumava conduzir a tiracolo e o postou em frente ao mercado da carne por alguns dias, para mostrar à população que o vereador havia se vendido.
Não podemos dizer que Zé Célio tenha sido realmente traidor, pois traição seria se votasse contra seus pares. O fato é que ele usou de uma espetacular esperteza e com isso conseguiu convencer aos pessedistas de que cumpriria o acordo. Sua atitude foi até certo ponto louvável, quando não realizou o desejo dos adversários, preferindo ficar com seus correligionários, entretando o lamentável foi ter se aproveitado da situação para ganhar os pneus para o seu jeep.

Agora para ilustrar um pouco a administração de Simões, vamos recorrer àquela célebre frase popular hoje abominada pelas feministas: “atrás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher”.[1] Pois é. Esse, ao que parece, não foi o caso de Zé Simões. Dona Regina, conhecidíssima dos limoeirenses, muito mais pela sua arrogância e orgulho, segundo consta foi um atrapalho para a administração. Se não fosse a grande popularidade do prefeito, tanto como médico quanto como político, sua vida pública teria sido logo degolada pelas impensadas ações da esposa. Começou quando ela própria, investida do cargo de primeira dama tomou algumas iniciativas desagradáveis aos servidores públicos da época e que causou repercussão em todo o município. Dentre elas, a exigência de que cada um, mesmo recebendo um mísero salário, teria que comparecer incondicionalmente à Prefeitura para assinar o ponto quatro vezes ao dia. Evidentemente que essa decisão, tomada por dona Regina e acatada – mesmo contra a vontade – pelo prefeito, tivesse a pretensão dar uma conotação de seriedade administrativa. A verdade é que não passava de uma exigência descabida e perseguidora, levando-se em conta de que os salários que recebiam, eram insuficientes para sustentar suas famílias e tinham que buscar outros serviços fora da prefeitura para garantir suas subsistências. Por mero capricho, destratava a todos os que procuravam os serviços da prefeitura, ou seja, procuravam o prefeito e, há quem diga que agia assim tão somente movida por um ciúme doentio que sentia pelo marido. Criou atritos com o vice-prefeito Eurico Vieira de Melo, chegando inclusive a duvidar de sua honestidade quando do cargo de Secretário de Administração na gestão de Sabino Roberto.
Corria à boca miúda que Simões fazia todas as suas vontades e isso refletiu por demais na administração, fazendo-o sentir-se incapaz para tomar certas medidas administrativas. Por causa dessa submissão à mulher, até mesmo os seus próprios eleitores o tacharam de “barriga branca”.[2]
Também foi por culpa dela que Antônio Holanda rompeu com Dr. Simões. É que durante a campanha, Simões havia prometido, se fosse eleito, custear com recursos da prefeitura uma “estiva” na travessia do rio Quixeré, que dava acesso à Chapada do Apodi (hoje está a ponte de Cabeça Preta). Confiando no compromisso assumido, Antônio Holanda, sem antes consultar ao prefeito, mandou construir a estiva e depois do trabalho concluído, dirigiu-se a Simões e apresentou a referida despesa. Dona Regina ao tomar conhecimento, impediu que o pagamento fosse feito, afirmando que a prefeitura não tinha autorizado, portanto sem nenhuma responsabilidade sobre o serviço. Decepcionado, Antônio Holanda pagou a despesa do próprio bolso e magoou-se tanto com Dr. Simões a ponto de definitivamente intrigar-se ele.
Depois de muito tempo, já no governo de Adauto Bezerra e com a intermediação deste, as pazes foram feitas entre Simões e Antônio Holanda no próprio gabinete do governador.
Durante o seu governo, o inesperado arrombamento da barragem do açude de Orós pôs de certa forma a prefeitura numa situação difícil. O fato trouxe problemas para a administração que com os parcos recursos teve que assumir a retirada da população que precisou ser levada para os lugares altos onde estivesse segura da enxurrada que estava por vir.
Depois de vencida essa dificuldade o próprio Simões tratou de se organizar politicamente para candidatar-se a Deputado Estadual nas eleições de 1962.

Em 1960, se deu o arrombamento da barragem do açude de Orós. No início do ano as obras de terraplanagem estavam inconclusas e com o receio de que pudesse ocorrer algum fato inesperado – como realmente aconteceu – as máquinas e equipamentos trabalhavam vinte e quatro horas por dia. Mesmo assim, os engenheiros da obra tranquilizavam a população do Vale do Jaguaribe, de que nada iria acontecer, confiando na média das precipitações de que não choveria a ponto de causar qualquer preocupação. Todavia, as chuvas se intensificaram de maneira violenta, passando a comprometer o trabalho da barragem, feita de terra compactada. Quando os responsáveis pelos serviços – engenheiros e técnicos – realmente viram que estava correndo perigo de arrombamento e que poderia se transformar numa tragédia sem precedentes, começaram a avisar ao povo para sair imediatamente em busca de lugares altos. Com o aumento inesperado do volume de água, o túnel feito para dar vazão não foi suficiente e aos 17 minutos do dia 26 de março de 1960, aconteceu o arrombamento da barragem, causando uma das maiores enchentes que inundou todo o Vale do Jaguaribe e se não fosse a ação rápida e previdente das autoridades responsáveis teria se transformado em uma inimaginável tragédia.
DR. SIMÕES E A CANDIDATURA A DEPUTADO ESTADUAL
Enquanto Dr. Simões se preparava para estruturar a sua candidatura para a Assembleia Legislativa do Estado, surgia outra questão a ser resolvida que era o de desincompatibilizar-se da prefeitura. Isso não seria problema se o grupo de Simões ou ele próprio, já rompido com o grupo de Sabino Roberto, não tivesse nenhuma objeção em passar a administração para o seu vice Eurico Vieira de Melo.
Naquelas alturas, o vice se transformara em um adversário político ou pelo menos era assim considerado, razão pela qual, não queriam os petebistas que ele assumisse o cargo, pois não traria nenhuma vantagem para a candidatura de Simões a Deputado.
Vale ressaltar que o patrimônio do município não era um instrumento tão forte – pelo menos naquela época – para angariar votos, a ponto de querer usá-lo para fins eleitoreiros, partindo do principio de que eram escassos os seus recursos.
Para se ter uma idéia de que a prefeitura tinha um patrimônio relativamente pequeno, basta que se diga, que os veículos de que dispunha para fazer os trabalhos e as obras públicas, se resumiam em simplesmente duas carroças puxadas a boi, afora a relação dos prédios públicos que não ia além dos que foram construídos ainda no final século XIX, ou seja, o Mercado Público e a Cadeia Pública onde também funcionava a prefeitura no 1º andar.
Coube ao próprio Simões procurar o seu vice e tentar suborná-lo com uma grande quantia em dinheiro e mais cinco empregos federais para ele e pessoas da sua família, bastava que as indicasse e em troca renunciasse ao cargo de vice-prefeito.
A principio, nos surpreenderia essa atitude de um homem com o caráter de Dr. Simões, porém, há de se compreender que ele queria ter a máquina da prefeitura a seu favor durante a campanha e esta estando nas mãos do seu vice seria impossível destiná-la a esse uso, não somente por ser o vice de uma outra ala política, mas também pela sua integridade moral. Sabia Simões que Eurico jamais usaria a prefeitura com ações espúrias em favor de um candidato, fosse quem fosse, assim, deveria também saber que recusaria qualquer tipo de suborno. E quanto aos empregos federais prometidos? É que Dr. Simões estava em alta com seu prestígio junto aos figurões maiores do PTB estadual e isso garantia a ele negociar cargos como patrocínio para sua candidatura.
Como era de se esperar e baseado na vida pública – sempre com ética – de Eurico Vieira de Melo, este foi taxativamente categórico em rejeitar aquela proposta, alegando que não negociaria a sua honra e muito menos o seu caráter a troco de vantagens pessoais. Eurico finalizou qualquer pretexto de negociação com a histórica afirmação:
“Tenho uma reputação a zelar junto aos limoeirenses e não quero passar para a história como um homem indigno de confiança”. (Entrevista em abril/2003)
A propósito, é bom relatar que inconformados com a recusa de Eurico em renunciar, espalhou-se uma notícia, certamente inventada pelos partidários de Simões e favoráveis à renúncia, de que Eurico mandaria o boi “Dourado” para o abate e a carne seria usada para comemorar sua posse como prefeito. O boi “dourado” era de propriedade da prefeitura, sendo um dos puxadores de uma das carroças as quais já mencionamos. Pura lorota, idealizada para confundir a opinião pública, numa tentativa de desmoralizar o vice como incapaz para dirigir os destinos do município. Bem se vê que as histórias inventadas já eram usadas naquele tempo como uma forma de criar confusões entre a população, para que no final surtisse um efeito positivo para o lado de quem as criassem.
Com a recusa de Eurico em renunciar e vendo que a mentira não surtira o efeito desejado, os petebistas trataram de armar um outro “esquema” que o impedisse de assumir a prefeitura através de algum ato falho, que viesse culminar com sua cassação pela Câmara de Vereadores. A brecha encontrada e que resultou em um processo de impeachment, foi quando ao assumir, Eurico que estava com alguns meses de salário atrasado usou de suas prerrogativas e se pagou, colocando em dia seus vencimentos. Foi o motivo pelo qual os vereadores foram mobilizados para iniciar um processo de impeachment do prefeito sob acusação de crime de responsabilidade.
Fato que se pode extrair desse episódio foi quando Lauro Rebouças de Oliveira, inexplicavelmente, embora sendo partidário da UDN, torcia pela cassação, ao passar pelo comércio de Manfredo de Oliveira no dia da votação, revelou a este, que há muito tempo não vestia o seu paletó e o estava fazendo porque queria ver a cassação do prefeito no estilo formal, já que o fato era merecedor de toda a formalidade. Com essa certeza e confirmada pela votação, Lauro Rebouças viu realmente Eurico Vieira ser impedido de continuar à frente do executivo, alegrando-lhe pelo fato de não ter sido em vão a retirada do seu paletó do guarda-roupa, há muito tempo na cruzeta, esperando um momento solene e digno como aquele.
A verdade é que a alegria dos petebistas durou apenas cinco dias no máximo, pois, através do Dr. Edgar Carlos Amorim, promotor público na época, Eurico entrou com um pedido de anulação do processo de impeachment, o que foi atendido de pronto pelo Juiz da Comarca de Russas. Essa resolução da justiça veio convencer definitivamente de que nada havia que impedisse Eurico de terminar um mandato para o qual ele estava legal e constitucionalmente amparado.
[1] As feministas acham que a mulher deve está ao lado e não atrás, pois para elas a expressão “atrás” significa submissão.
[2] Epíteto que se dá ao homem que se deixa governar pela mulher

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