quinta-feira, 24 de abril de 2025

Capítulo XXI - A ELEIÇÃO DE 1992

"A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa democracia se pode votar antes de obedecer as ordens”.
Charles Bukowski – escritor alemão

AO CHEGARMOS EM 1992 com mais uma eleição, outra vez vamos nos deparar com os conhecidíssimos personagens da política preparando novamente as suas candidaturas.
Vamos retomar um pouco do que já falamos, para lembrar que quando Gladstone Bandeira entregou a prefeitura para Dilmar, tinha a convicção de que ficaria de certa forma com o controle político-administrativo do município, envaidecido pela enorme aceitação popular que recebera sua administração.
Durante o seu mandato e como a querer dizer para todos: “eu só tenho de besta a careca”, confeccionou um “bolo” digno de qualquer confeiteiro, com a certeza de que iria desfrutar ou degustar sozinho sem ter que dividi-lo com ninguém. Convicto de não existia pessoa mais esperta do que ele imaginou que os que viessem depois dele somente participassem da cobertura da sua “obra culinária” e se conformasse com o cheiro e nada mais.
Como já foi explicada a razão do porque o Careca ter se empenhado tanto para eleger Dilmar como seu sucessor, ele nunca imaginou que estivesse naquele momento alimentando uma cobra para depois ser picado por ela. Não desconfiou que Dilmar ao aceitar todas as condições que lhe foram impostas quando ainda candidato, estivesse apenas assegurando o apoio da máquina da prefeitura na eleição que o fez prefeito.
O que Careca não esperava era que ao ser eleito, Dilmar mostrasse sua esperteza e tomasse o bolo em suas mãos sem se importar com o desvelo com o qual foi confeccionado nem com o que foi combinado entre eles e o dividisse ao meio para abocanhar a parte mais saborosa.
A atitude de Dilmar em esperar pelo momento certo para dividir o bolo, mostrou o quanto foi frio e paciente quando suportou todas as imposições de Gladstone tanto durante a administração da qual era vice-prefeito, quanto no decorrer da campanha, revelando-se extremamente sagaz e inteligente na espera de dar o bote e revidar com um troco à altura daquele que lhe tratara como uma incapacidade durante todo o tempo.
Para o desagrado do Careca, no início de 1992 o bolo mostrava um cenário fantasioso e até certo ponto engraçado, servindo de palco para a macabra e engenhosa dança em busca do poder.
O painel começou a se desenhar de maneira a tornar definidas algumas posições.
O Careca, pretendendo voltar à prefeitura, tinha pelo caminho dois problemas a serem resolvidos: o primeiro era a insatisfação de Pedro Julião, que pretendendo também se candidatar esperava contar com o apoio do primo e ex-prefeito. O segundo era sobre suas contas que tiveram parecer desfavorável do Tribunal de Contas dos Municípios acusando-o de improbidade administrativa. Caso o parecer do TCM fosse aceito pela maioria dos vereadores o Careca não poderia sair como candidato.
Enquanto isso o prefeito João Dilmar colocava o nome do seu secretário de obras Paulo Barros para sucedê-lo. Entretanto, outros componentes do grupo, achando-se com condições de concorrer também colocavam seus nomes como candidatos criando uma espécie de disputa interna. Dentre os que se colocavam com a intenção de candidatar-se estava o Dr. Reuber Tadeu Vieira e Silva.
No dia exato da convenção em que seria homologado no nome de Paulo Barros, chegou Paulo Duarte, visivelmente embriagado, acompanhado de Ademar Celedônio, dizendo que este seria o candidato do grupo. Estranhamente, todos aceitaram sem contestações a imposição de Paulão sem ao menos questionar sequer o que levou o deputado a agir de forma inesperada, surpreendente e acima de tudo arrogante fazendo prevalecer a sua vontade, suprimindo qualquer tipo de discussão. Como ninguém se levantou contra aquela atitude, nem mesmo o próprio prefeito, Paulão simplesmente fez com que todos engolissem de goela abaixo a candidatura de Ademar, afastando a possibilidade de Dilmar poder indicar o nome de Paulo Barros bem como a intenção do Doutor Reuber em sair candidato com apoio do grupo.
Ficou então consolidado o nome de Ademar Celedônio para candidato a prefeito tão somente por imposição de Paulo Duarte que em outra guinada maquiavélica, conseguiu abrandar o desejo do Doutor Reuber aceitando-o para candidato a vice, acalmando a principal resistência.
Uma vez escolhido o candidato com a estranha anuência de Dilmar, Paulo Duarte temia ainda pela candidatura de Gladstone, considerando-a imbatível. Pensando numa forma de enfraquecê-la e atrapalhar uma possível aliança entre ele e Julião, imaginou sutilmente uma forma de como fazer para contribuir no rompimento entre os dois.
Sabendo que Pedro Julião não aceitava nenhum tipo de acordo que não fosse de apoio à sua candidatura e que Gladstone também não arredava da ideia de se candidatar, Paulão resolveu montar um esquema em que se desse o racha entre os dois. Foi nesse ínterim que se aproveitou do relatório do TCM e usando de uma estratégia meramente politiqueira conseguiu de Dilmar que a sua bancada na câmara de vereadores se juntasse à dele e votassem contra o parecer do TCM, discordando de que o Careca praticara improbidade administrativa durante seu mandato o que possibilitaria a sua candidatura a prefeito, com isso, se daria a cisão entre os dois e que facilitaria consequentemente na eleição de Ademar pela divisão dos votos.
Como já foi dito anteriormente que o parlamento limoeirense durante a gestão de Dilmar teve uma atuação inteiramente fisiológica, este não encontrou dificuldades em direcionar os vereadores de sua bancada a absolverem o Careca das acusações do TCM.
Uma vez inocentado, o Careca não hesitou em selar a sua candidatura e convidou para companheiro de chapa o vereador Sebastião Maia de Andrade, outro analfabeto, formando, por assim dizer, uma dupla de cascas-grossas.
Estava então consolidado o racha entre Careca e Pedro Julião.
Depois de ver frustrada a pretensão de sair candidato com o apoio do ex-prefeito e confiante de que seria bem votado principalmente vinculando o seu nome aos mais de 11 mil votos recebidos em 1990 na campanha para deputado, Julião achou-se também com direito a um pedaço do bolo.

O PT desta vez aliou-se à Julião, novamente fazendo coligação, com a alegação que precisava eleger pelo menos um vereador.


Com a campanha nas ruas, os três candidatos, Ademar, Careca e Julião, disputavam os votos com a desconfiança do eleitor, cismado com as negociações feitas e também por não aparecer nem um fato novo.
Os palanques se transformaram em verdadeiras arenas na troca de farpas e acusações e os candidatos e seus partidários se engalfinhavam com disparos mútuos de agressões verbais se acusando entre si, em vez de apresentarem propostas de trabalho e seriedade.
O que mais deixava o povo boquiaberto era a clareza com que defendiam aquilo que somente lhes interessavam, sem pensar em nenhum momento no povo e no município numa demonstração de que cada um queria ter superioridade sobre os outros e como se sabe há poucos anos estavam todos no mesmo palanque, trocando em vez de agressões, deslavados elogios entre eles.
Nos vértices desse triângulo, os três candidatos procuravam tirar proveito, cada um deles fazendo-se de vítima um do outro, principalmente Julião que se sentia duplamente traído: uma por Dilmar e outra pelo Careca.
Já a turma de Dilmar, afora a enganosa mensagem de modernidade, proclamava ter sido necessário cortar os laços políticos com aqueles que se diziam vítimas e naquele instante, Limoeiro precisava continuar no caminho do desenvolvimento.
Toda a classe política estava dividida entre os três candidatos, visto que as candidaturas eram resultados da implosão do grupão inicialmente liderado pelo Careca.
Vereadores e candidatos a vereador também se exaltavam em seus discursos. Alguns deles comprometidos tanto de um lado quanto do outro, tentavam camuflar uma imagem de seriedade.
Alguns pronunciamentos eram estarrecedores. O vereador Elias Correia, por exemplo, gritava no microfone do palanque do Careca com voz irritante e linguagem desengonçada de que havia sido traído por Dilmar e por isso não estava do seu lado naquela eleição. Alegava ter-lhe sido fiel durante todo o mandato, a ponto de votar toda e qualquer matéria que o prefeito mandasse para a câmara, dispensando totalmente a discussão, dizendo o seguinte: “se fosse matéria do prefeito Dilmar, eu não queria nem saber, era só assinar embaixo”. Com esses dizeres, o vereador Elias declarava publicamente que para ele o que importava era a amizade com o prefeito em vez de cumprir suas verdadeiras obrigações parlamentares, preservando unicamente sua condição de aliado do chefe do executivo.
O mais complacente de todos naquela campanha foi o prefeito Dilmar. Seguindo o seu estilo de não agravar ninguém, deixava essa tarefa para os seus seguidores, que a executavam perfeitamente sob a sua orientação.
A grande metralhadora verbal era o deputado Paulo Duarte usando o linguajar digno de um policial não poupava nenhum dos dois palanques.
Ironicamente e como uma verdadeira afronta à fé cristã, sempre nos finais de cada comício de Ademar, era tocada no som para acompanhamento dos presentes, a Oração de São Francisco, onde o animador incentivava a plateia para se dar as mãos e, unida numa mesma fé, pedisse aos céus que Ademar Celedônio fosse eleito para a redenção de Limoeiro do Norte.
Houve ainda em torno da candidatura de Ademar uma forte propaganda na divulgação de um slogan até certo ponto provocador, intitulado de “arroche o nó” massificado através da voz do radialista Djalma Freire. O slogan sugeria um aperto para os outros candidatos insinuando que o grupo que apoiava Ademar era o único com condições de apertar cada vez mais a situação dos adversários.
Terminada a eleição, Ademar (8.767 votos - 37%)  foi eleito, frustrando Julião (7.476 votos - 32%) e Careca (6.861 votos - 29%), porém certos de que se tivessem caminhado juntos seriam imbatíveis, mesmo sem apoio da prefeitura.

Também se elegeram os seguintes vereadores:

1. Antônio Mauro da Costa
2. Antônio Conrado Maia
3. Carlos Marcos de Sousa Nunes
4. Elias Correia Lima
5. Francisco Mauricio Rodrigues
6. Jose Arimatéia de Brito
7. José Cirineu Maia
8. Jose Gilvan de Moura
9. José Marcos Castro Coelho
10. Jose Ribeiro da Costa
11. Jose Valdir da Silva
12. Lucia Baltazar Costa
13. Maria Izalta Carlos Moura
14. Maria Salomé Nunes de Andrade
15. Raimundo Nauto de Oliveira
16. Raimundo Nonato da Costa
17. Raimundo Valdi Chaves
18. Francisco Valdo Freitas de Lemos
19. Vicente de Paula Nogueira

As hostilidades na família “Bandeira” que ensejaram as candidaturas do Julão e Gladstone possibilitaram a vitória de Ademar como planejara Paulo Duarte.

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Se o poder emana do povo e deverá ser exercido em seu nome e para o seu bem através dos eleitos como definição de DEMOCRACIA, em parte, condiz com a verdade. Todo o poder emana do povo: em Limoeiro isso não é diferente já que “democraticamente” os representantes são escolhidos através do voto; e em seu nome será exercido: essa segunda parte é que complica, pois o que se vê é um jogo de interesses e o poder nunca sendo exercido realmente em nome do povo.
O grande interesse para que Ademar realmente fosse eleito por parte daqueles que patrocinavam sua campanha, ficou evidenciado pelo volume de dinheiro investido na sua candidatura. Só para servir de exemplo, se tem notícia de pelo menos dois sacos, de razoável tamanho, ter chegado à casa de sua mãe na Rua Professor Ricarte, cheios de cédulas para gastos da campanha. O incrível é que a origem daquele dinheiro certamente vinha da prefeitura e a grande certeza: o ônus da campanha foi repassado para o povo, que novamente pagou muito caro pelo resultado de mais uma eleição.
O uso da Oração de São Francisco nos comícios, além de ultrapassar os limites do bom senso, conspurcava um dos mais belos e impressionantes textos da cristandade e tudo sob a ovação de uma plateia desinformada e completamente iludida.
Se pararmos para analisar o desenrolar da campanha de 1992, vamos indubitavelmente chegar curiosamente aos termos de uma pergunta interessante: por que Paulo Duarte impôs o nome de Ademar Celedônio para candidato? Presumimos que em sendo Ademar uma pessoa de personalidade volúvel, sendo inclusive um ex-alcoólatra e ainda por fazer política de maneira puramente clientelista o que lhe garantia uma boa dosagem de aceitação do eleitorado, na visão de Paulão seria um administrador perfeitamente manobrável e fácil de ser induzido a qualquer coisa.
Com esses dados, podemos supor que naquele momento Paulão tencionava implantar em Limoeiro uma espécie de política ortodoxa e radical onde ele fosse a figura principal e paradoxalmente repassava para o povo a imagem de que era um político moderno, honesto e carismático.
Diante dos fatos que aconteceram durante as conversações e ao impor Ademar como candidato, Paulão não se esqueceu de fazer algumas exigências que deveriam ser cumpridas durante o mandato caso fosse eleito. Uma delas, senão a principal, era dispor da máquina administrativa no apoio para eleição de Deputado Estadual em 1994 e a sucessão na prefeitura em 1996.
A verdade é que se Careca e Julião não estivessem divididos, seriam imbatíveis, entretanto, cada um somente pensou em si próprio, o que viabilizou sem nenhuma dúvida a eleição de Ademar.
A propósito, naquela época apareceu um poeta Limoeirense com o nome estranho de Gomide Lima Oeriô, se identificando como Amigo de Limoeiro e retratando muito bem aquele momento em que os políticos brigavam e se juntavam com facilidade, escreveu essa estrofe:

Nessa roleta de nome
Não dar mais para jogar.
Corre a bola, a bola some.
De Careca pra Dilmar,
E pra maior confusão
Veio um tal de Julião
E deu o gol pra Ademar.

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