(...)Cada povo tem o governo que merece?
Ou cada povo tem os ladrões a que enriquece?
Cada povo tem os ricos que o enobrecem?
Ou cada povo tem os pulhas que o empobrecem?
O fato é que cada vez mais se entristece esse povo
num rosário de contas e promessas
num sobe e desce de prantos e preces. (...)
(Affonso Romano de Sant'Anna –
“Sobre a atual vergonha de ser brasileiro”
Texto extraído do jornal "O Globo" -Rio de Janeiro.)
Em pouco tempo de mandato demonstrou ser realmente um homem indeciso e inteiramente manobrável.
Sentindo o gosto do poder, cercado de aproveitadores e embalado pela bajulação, muito cedo caiu na esparrela engenhosamente armada para ele.
Estando algemado de pés e mãos pelos compromissos assumidos e sujeito às cobranças para cumpri-los, desiludiu-se do cargo em pouco tempo de mandato deixando que o barco da administração seguisse um rumo desastroso e à deriva.
Fraco nas decisões começou por deixar que as nomeações para o seu secretariado fossem por indicação do grupo político que o elegeu e não dele próprio.
Para ilustrar a sua indecisão e fraqueza na tomada de posições, logo no início do mandato se deixou levar por uma ideia de que era preciso enxugar a folha de pagamento dos servidores municipais e para isso se fazia necessário demitir muitos desses servidores, principalmente aqueles que no entender dos “assessores” estavam irregulares.
A lista dos demitidos foi amplamente divulgada nas emissoras a fim de dar um contorno de moralidade na administração. Por propósito ou não(?), a dita lista atingia principalmente servidores que haviam votado nos candidatos “adversários”. Ao que tudo indica, não passou de uma trama engenhosa de sua assessoria jurídica, sabendo que essa medida acarretaria numa avalanche de ações judiciais o que provocaria tempos depois uma quantidade imensa de precatórios a pagar, beneficiando alguns mal-intencionados advogados que já se preparavam para defender as causas.
Como uma fuga para os inúmeros problemas que tinha que resolver, voltou ao alcoolismo e desta vez, de uma forma bem mais grave, pois se tratava do prefeito do município.
Diante disso e sabendo que o prefeito não resistia ao vicio da bebida, os seus algozes, costumeiramente, o presenteavam com um ou mais litros de whiskys caros, numa demonstração que era do interesse deles que o chefe do executivo estivesse sempre sob o efeito da bebida e, por conseguinte lhes deixasse à vontade para eles próprios se apoderarem do dinheiro público e sem nenhuma responsabilidade.
Os volumosos boatos sobre a malversação dos recursos da prefeitura bem como sobre a conduta do perdulário chefe do executivo eram fatos corriqueiros em todo o município e via-se claramente que o prefeito perdera o senso de responsabilidade chegando inclusive a passar os talões de cheques da prefeitura para as mãos de pessoas reconhecidamente aproveitadoras desse tipo de situação, correndo ainda a notícia de que um pequeno grupo era quem determinava os gastos. Enquanto isso, como forma de consolo, para Ademar era permitido usar apenas um dos talões, o fazendo de forma irresponsável, emitindo cheques de despesas pessoais a torto e a direito, sendo habitual encontrá-lo embriagado e acompanhado de mulheres.
O esquema montado na utilização dos cheques cuidava justamente para que aquele que era usado irresponsavelmente pelo prefeito, nunca tivesse provisão de fundos na conta/corrente o que fez a prefeitura encabeçar uma enorme lista de cheques sem fundos.
Um desses conhecidíssimos aproveitadores do dinheiro alheio esnobava os talões de cheques publicamente zombando da fraqueza do gestor municipal e muitas vezes foi visto sacudindo-os sobre o balcão de um dos bares da cidade dizendo ser o “responsável” pelo dinheiro da prefeitura. Também por muitas vezes, esse mesmo elemento – aliás, muito conhecido pela falta de escrúpulos em tramas e negociatas e um debochado aproveitador – foi visto ir de encontro ao prefeito, logrando-se da situação de que este encontrava-se sempre embriagado o induzia a assinar todo o talão de cheques em branco.
Ao que parecia, a situação estava agradando alguns algozes e mesmo com uma administração altamente desastrosa Ademar contava com a defesa inconteste – com unhas e dentes – do deputado Paulo Duarte, o mentor principal da sua candidatura.
Obedecendo ao seu estilo convincente e enganoso, Paulão dizia em entrevistas que o prefeito não estava fazendo tanta coisa errada, e atribuía os comentários “maldosos” aos “adversários” como uma perseguição e até uma espécie de dor de cotovelo por não terem se conformado ainda com a derrota nas últimas eleições.
Insistia em dizer que a administração, se não estava cem por cento no rumo certo, não deixava a desejar com relação às que se passaram – nesse ponto não estava totalmente enganando o povo. Mas quando era procurado reservadamente por algumas pessoas cobrando-lhe posições sobre os desmandos do prefeito, soltava respostas evasivas, tipo: “eu não tenho mais o que fazer...” enquanto por trás, colaborava para que o desleixo continuasse para o seu próprio bem.
Com a chegada das eleições para deputado em 1994, percebia-se claramente a influência de Paulo Duarte dentro da administração municipal opinando sobre os gastos públicos através de servidores ligados ao seu grupo político.
Corria à boca miúda de que o dinheiro da prefeitura estava sendo usado para custear os gastos de sua campanha nas cidades de Tabuleiro do Norte e São João do Jaguaribe, com boatos ainda de que a confecção do material (camisas, botons, bonés, bandeiras e estandartes) estava sendo autorizada por Ademar.
Muito embora se soubesse da grande influência de Paulo Duarte, por outro lado o grupo de Dilmar também estava inserido de tal forma dentro do governo municipal que o próprio Maílson Cruz assumiu por mais de um ano o cargo de Secretário de Administração, o que demonstrava que ambos os grupos tinham participação nos acontecimentos. Para eles, pouco importava que a administração se tornasse cada vez mais desmantelada, já que isso os favorecia e nenhum deles seria responsabilizado pelos desmandos.
Em meio ao fracasso administrativo que estava acontecendo em Limoeiro, Carlinhos Celedônio, irmão de Ademar, certa vez quis saber do mano o motivo pelo qual ele se tornou um prefeito inoperante e irresponsável e sem cumprir com os compromissos de campanha para com o povo. Em resposta, recebeu de Ademar a afirmação de que todos os compromissos por ele assumidos estavam sendo cumpridos, principalmente “patrocinar as campanhas de Paulo Duarte para deputado e a do seu sucessor na prefeitura”, alegando de que essas foram as principais exigências para efeito de sua candidatura e como se elegeu, tinha o dever de cumprir com sua palavra e estava cumprindo.
Foi em meio a todo o desastre administrativo que alguns vereadores, o que restava de oposição, resolveram instalar uma CPI para investigar os desmandos administrativos da administração e por conseguinte terminar na cassação do mandato do prefeito. Obviamente que essa ideia desagradou sobremaneira os grupos de Paulão e Dilmar, os quais eram os mais beneficiados pelo desastre administrativo de Ademar, entretanto não impediram que em uma das sessões fosse levantada a questão e colocada em votação o requerimento para instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito. Sendo o vereador Mauro Costa presidente do Legislativo, coube-lhe a incumbência de barrar a pretensão de se cassar o mandato do prefeito, para isso teria que criar uma situação em que se configurasse um tumulto para assim, alegar um motivo que justificasse sua atitude. De forma proposital - e habilidosa - aproveitou a ocasião em que discursava e Vereador Raimundo Costa, chamando a atenção do vereador que seu tempo regimental havia terminado, quando na verdade ainda faltavam mais ou menos cinco minutos. Diante da recusa do vereador em finalizar sua fala, quando ainda lhe restavam alguns minutos, é que se iniciou a confusão. O Presidente, numa atitude arbitrária
e inesperada, levantou-se, e anunciou de forma irreversível, a suspensão
da sessão, alegando que o vereador estava tumultuando-a. Pior ainda, tomou nas
mãos o Livro de Atas, colocou-o debaixo do braço e saiu apressadamente do
recinto, tomando rumo ignorado. Momentos depois, correu o boato que se
encontrava nas dependências do BNB Clube, exibindo irresponsavelmente o Livro e
Atas, rindo e debochando dos colegas, de que ele, o presidente, havia frustrado a intenção de instalar a CPI para cassação do mandato do prefeito.
Vale ressaltar que a cassação do Prefeito não
interessava também ao seu vice, que procurado pelos vereadores interessados
pela instalação da CPI, citou de forma lacônica a seguinte frase "Eu
não sou vice-prefeito de Ademar", deixando claro que não lhe
interessava assumir o cargo caso o prefeito fosse cassado, entretanto, era ele
sim, o primeiro da linha sucessória e, caso não fosse do seu interesse, nada
mais obvio do que o simples ato de renunciar ao cargo, caso a cassação tivesse se concretizado.
A turbulência política porque passava Limoeiro naquele momento, contava ainda com a atuação polêmica do radialista Nicanor Linhares, que muito embora sem nenhum cargo público, era um integrante daquele emaranhado de interesses. Ninguém sabia ao certo de quem ele era amigo ou inimigo e isso dependia muito dos fatos. Era comum ter que vez em quando enfrentar a fúria de algum político, ferido por suas críticas através do seu programa.
O caso mais evidente disso foi o episódio da sua prisão em virtude de uma briga, entre as muitas, dele com Paulo Duarte.
O Deputado, por muitas e muitas vezes o elogiou de público em entrevistas no programa do próprio Nicanor, classificando-o como um grande radialista, atribuindo-lhe inúmeras qualidades. Mas naquele período, havia entre eles uma enorme desavença, o que era habitual não somente com Paulo Duarte, mas com muitos políticos, e as insatisfações aconteciam sempre que o radialista resolvia em vez de elogiá-los, criticá-los.
Na desavença com Paulo Duarte, o fato interessante foi que este usando de sua influência no governo do Estado, sobretudo na Secretaria de Segurança Pública, conseguiu com que fosse nomeado Delegado de Polícia para Limoeiro o conhecidíssimo Dr. Maranguape, tão somente com a incumbência de prender Nicanor, para assim desmoralizá-lo perante aos seus ouvintes.
Isso realmente aconteceu, por conta de uma reportagem feita, a qual não pode ser comprovada através da gravação do programa.
Evidentemente que Nicanor passou menos de vinte e quatro horas atrás das grades, todavia, o objetivo de Maranguape foi realizado e Paulo Duarte conseguiu também o que queria.
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Há quem afirme que “cada povo tem o governo que merece”[1] e no caso de Limoeiro, essa frase não deve ser traduzida apenas como um resultado de uma eleição, porém como uma causa muito mais profunda.
Com Ademar não aconteceu outra coisa senão a colheita de alguns frutos venenosos que o limoeirense, através da enganação dos seus políticos vinha cultivando desde o gravíssimo erro de haver elegido o Careca para prefeito em 1982, a quem pode se atribuir, sem medo de errar, ter sido o grande responsável pela parição dos maus políticos vindo depois dele, bem como de haver concretizado a ideia de fazer o bolo crescer para depois ter que repartir.
Seria mais fácil de explicar o que aconteceu com a administração de Ademar se fosse possível responsabilizar o povo, todavia, isso seria no mínimo transferir a responsabilidade de quem foi eleito para quem elegeu.
O que já vinha acontecendo em outras eleições aconteceu com mais gravidade com a eleição de Ademar, funcionando como um efeito retroativo a toda conjuntura política implantada a partir de 1982.
A Oração de São Francisco de Assis, tão deturpada durante a campanha, provou a demagogia dos que faziam o palanque naquele momento. Também o tão famoso e propalado slogan do “arroche o nó”, na prática funcionou, só que de forma inversa e em detrimento da população que pagou caríssimo por mais uma vez, pela escolha que fez.
O mais estarrecedor foi a forma como Paulo Duarte e Dilmar, se aproveitaram da irresponsabilidade de Ademar para se apoderarem da prefeitura.
Limoeiro do Norte, não podia e nem pode ser considerado um município do futuro com bem alardeiam os seus administradores e políticos em geral, porque a cada eleição a esperança e o entusiasmo de cada cidadão vão sendo paulatinamente corroídos.
Seria diferente se a atuação do povo, muito mais interessado em direitos do que em deveres, tivesse a consciência de que um dever sempre leva a um direito e vice-versa, entretanto, nem por isso, podemos responsabilizá-lo por eleger um mau administrador. Seria o caso então de haver uma consciência política em que todos os cidadãos exercessem sem a influência eleitoreira o dever de escolher um representante, mas que exercesse também e com muito mais veemência o dever de exigir uma resposta positiva dos eleitos.
Raramente o povo se mobiliza contra seus governantes a ponto de dissuadi-lo de suas intenções escusas e o destituir do poder que lhe foi dado. Ao contrário, vive moralmente dominado por uma espécie de encantamento apenas por uma questão de acomodar-se a qualquer circunstância. Aqui caberia uma citação de La Boétie que diz:
“Coisa realmente surpreendente (e no entanto tão comum que se deve mais gemer por ela do que surpreender-se) é ver milhões e milhões de homens miseravelmente subjugados e, de cabeça baixa, submissos a um jugo deplorável: não que a ele sejam obrigados por força maior, mas porque são fascinados e, por assim dizer, enfeitiçados...”(BOÉTIE, Etienne de La.Discurso da Servidão Voluntária)
Ou será ainda que existe mais sentido na frase do ex-presidente João Figueiredo, quando se referindo aos brasileiros e a sua subserviência aos políticos afirmou? “Todo povo é uma besta que se deixa levar pelo cabresto”.
[1] Frase atribuída ao alemão Joseph de Maistre
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